De 1986 pra cá foi assim…

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De 1986 pra cá eu nasci e cresci. Passei, sem peso, pelo tombo de uns muros. Pela retirada de presidentes e marajás impuros. Fui criança presente e vidrada na Eco sem futuro. Criada num Brasil que nunca me convenceu. Que não mudou seu portais, suas escolas, suas favelas, seus hospitais. Cresci em mágoa engasgada, pois vi crianças, meus pares, mendigar, vi preconceito em demasia, sem cessar. Nadei em rios, hoje mortos. Vi meu corpo vibrar em 2000 com a chegada de um novo Milênio. Um Oasis de Esperança. Promessas sobrepondo promessas de um novo mundo pra se viver, de um novo lugar. Não sabia, mas estava acima de caminhos a direita ou esquerda. Estava acima da história que tios, pais e especialistas já haviam escrito. Cresci num planeta mais cinza que vocês, com lixo até mesmo espacial. Que não notamos, pois nem mesmo vemos o que permeia nosso meio natural.

Acontece que hoje, to esperando um filho, filho meu, teu e de todos nós. Espero por uma vida nova que em breve vai nascer. Tenho icebergs e guerras religiosas ao meu redor. Tenho um oceanos de plástico, no qual me banho, sou talvez um índio só. Abaixo de minha pele, esse coração que quase rompe meu peito. Não me deixa mais descansar, não me da mais hora, não vai simplesmente parar.

No mais tropical de todos os países, no mais belo cenário, me doem tuas cicatrizes. Descobri, planeta meu, lugares por onde você morre mais cedo, por dentro, ao passo lento. Tive que descer da média feita por nossa classe até os portões de nosso coletivo inferno. Era uma lagoa de pedaços mortos, uma imensidão de restos e nojo, um reflexo divino disforme. Era tanta, tanta morte pelos meus pés, cheiros e pedaços vindos como defuntos nas marés. Nem meu país bonito, nem meu carnaval, meu verão entendeu o que era aquilo. Era eu, vivo, vivendo quando havia vento, morrendo por entre moscas, comida, plásticos, papeis. Meu corpo em meio ao lixo, o contraste de uma vida, de sangue na veia e paixão consumida. Minha fronte, em meio a extensões de nós que são imortais, nós planeta, nosso suicídio sem paz. Eu parei, eu guardei, eu não pude chorar, não pude simplesmente consertar, não era a mesma ao voltar. Voltei um tanto mais velha, um tanto mais séria, mas um tanto a mais a sonhar. Era e não era o meu mundo, era e não era o meu lugar...

Confusa compreensão de que ali eu estava e também que tentava ignorar. Que era minha aquela terra morta, aquela morte, aquele lugar sem nome, sem sorte. Não há descrição, há chance viva de buscar entender isso. Não posso ir e voltar e não estar agora sem dormir, sem naquele lado humano pensar.

Agora compreendo metade da minha vida, outra metade deixo passar. Agora sou mulher, filha e um dia Mãe, com lágrimas nos olhos e bruta coragem, que vem lutar. Desculpe aos que fiquei de visitar, mais tarde tentarei voltar. Desculpas aos que encontrarei pela frente e não terei pureza de criança para abraçar. Desculpe vó, minhas amigas queridas, minha amada, minhas deusas, divas do meu lar. Mas to mexido, coração meio magoado, sentimento perdido, to de frente para o mundo, e o vejo totalmente destruído.

Ando pelo mundo com as mãos vazias, sem armas, sou guerreiro de palavras. Estrangeira na própria casa, filha de uma geração de uma tal farsa, de consumos de produtos em massa. Irreconhecível e frágil, menina sentimental, destemida, entendeu-se num mundo irreal. Que persegue revoluções silenciosas, dito da geração e, que nem mesmo se sabe, despretenciosa. Tendências não conseguem me atingir, como conseguiu aquela sensação aquele dia.

Carrego segredos abaixo da própria pele, carrego incompreendimento, e uma dor que arde como febre. O futuro é quase que todo o mais óbvío possível. Meu quarto escuro, guarda meu canto, do qual agora fujo. To tentando achar um espaço, to vendo se me livro do peso do cansaço. Pra mim é dificíl correr tanto e terminar sem abraço. Sou entre tantos outros mais uma mortal. Que nasceu livre (eu acho) com corpo e alma com gosto de carnaval.

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